4.7. Análise jurídica da contratação
A análise jurídica da contratação é etapa necessária da fase de planejamento das contratações. Tem por objetivo o controle prévio de legalidade.
O órgão de assessoramento jurídico da Administração deve manifestar-se não somente sobre os processos licitatórios, mas também sobre contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e sobre seus termos aditivos[1].
É necessário que a análise seja completa e efetiva (não genérica ou sintética), contemplando, de forma objetiva, todos os elementos indispensáveis à contratação, e expondo a fundamentação das considerações feitas. A linguagem deve ser simples e compreensível[2].
Os processos serão analisados de acordo com critérios de prioridade[3], definidos previamente, de modo que questões relevantes ou urgentes sejam examinadas de forma tempestiva.
Apesar de a análise jurídica ser necessária em relação a vários instrumentos, a Lei 14.133/2021 possibilita a dispensa da análise nas seguintes hipóteses previamente definidas em ato da autoridade jurídica máxima competente[4]:
- contratações de baixo valor;
- baixa complexidade da contratação;
- entrega imediata do bem (entrega de uma só vez em até trinta dias da ordem de fornecimento[5]); ou
- utilização de minutas de editais e instrumentos de contrato, convênio ou outros ajustes previamente padronizados pelo órgão de assessoramento jurídico.
Cabe mencionar que o TCU tem incentivado o uso de listas de verificação (checklists) para a análise jurídica das contratações[6], de modo a tornar essas análises mais eficientes, evitar a repetição de erros e proporcionar maior segurança aos agentes envolvidos.
Por fim, como integrante da segunda linha de defesa, o órgão de assessoramento jurídico não atua somente no controle prévio de legalidade, mas também na orientação jurídica para as tomadas de decisão dos agentes públicos que atuam no metaprocesso de contratações, inclusive esclarecendo dúvidas e fornecendo informações relevantes para a prevenção de riscos[7].
Quadro 216 – Referências normativas para a análise jurídica da contratação
Normativos | Dispositivos |
Lei 14.133/2021 | Art. 8º […] § 3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei. […] Art. 10. Se as autoridades competentes e os servidores públicos que tiverem participado dos procedimentos relacionados às licitações e aos contratos de que trata esta Lei precisarem defender-se nas esferas administrativa, controladora ou judicial em razão de ato praticado com estrita observância de orientação constante em parecer jurídico elaborado na forma do § 1º do art. 53 desta Lei, a advocacia pública promoverá, a critério do agente público, sua representação judicial ou extrajudicial. § 1º Não se aplica o disposto no caput deste artigo quando: I – (VETADO); II – provas da prática de atos ilícitos dolosos constarem nos autos do processo administrativo ou judicial. § 2º Aplica-se o disposto no caput deste artigo inclusive na hipótese de o agente público não mais ocupar o cargo, emprego ou função em que foi praticado o ato questionado. […] Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação. § 1º Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá: I – apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade; II – redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica; III – (VETADO). § 2º (VETADO). § 3º Encerrada a instrução do processo sob os aspectos técnico e jurídico, a autoridade determinará a divulgação do edital de licitação conforme disposto no art. 54. § 4º Na forma deste artigo, o órgão de assessoramento jurídico da Administração também realizará controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos. § 5º É dispensável a análise jurídica nas hipóteses previamente definidas em ato da autoridade jurídica máxima competente, que deverá considerar o baixo valor, a baixa complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas de editais e instrumentos de contrato, convênio ou outros ajustes previamente padronizados pelo órgão de assessoramento jurídico. § 6º (VETADO). Art. 117 […] § 3º O fiscal do contrato será auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual. […] Art. 168 […] Parágrafo único. Na elaboração de suas decisões, a autoridade competente será auxiliada pelo órgão de assessoramento jurídico, que deverá dirimir dúvidas e subsidiá-la com as informações necessárias. Art. 169. […] II – segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade; |
Decreto 11.246/2022 | Art. 15. O agente de contratação contará com o auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade para o desempenho das funções essenciais à execução das suas funções. § 1º O auxílio de que trata o caput se dará por meio de orientações gerais ou em resposta a solicitações de apoio, hipótese em que serão observadas as normas internas do órgão ou da entidade quanto ao fluxo procedimental. § 2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, a solicitação de auxílio ao órgão de assessoramento jurídico se dará por meio de consulta específica, que conterá, de forma clara e individualizada, a dúvida jurídica a ser dirimida. § 3º Na prestação de auxílio, a unidade de controle interno observará a supervisão técnica e as orientações normativas do órgão central do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e se manifestará acerca dos aspectos de governança, gerenciamento de riscos e controles internos administrativos da gestão de contratações. § 4º Previamente à tomada de decisão, o agente de contratação considerará eventuais manifestações apresentadas pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, observado o disposto no inciso VII do caput e no § 1º do art. 50 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. |
Enunciado – CJF 53/2023 | Previamente à tomada de decisão, o agente ou a comissão de contratação considerará eventuais manifestações apresentadas pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, observado o disposto no inciso VII do caput e no § 1º do art. 50 da Lei n. 9.784/1999. |
Enunciado CJF 11/2022 | Não é obrigatório parecer jurídico nas contratações de dispensa em razão do valor (art. 75, incisos I e II) e inexigibilidade (art. 74) até o limite de dispensa previsto no art. 75, incisos I e II e § 3º da Lei n. 14.133/2021, ressalvados os casos em que as relações contratuais sejam formalizadas por meio de instrumento de contrato que não seja padronizado no órgão ou nas hipóteses em que o administrador tenha suscitado dúvida a respeito da legalidade da dispensa, consoante disposto no § 5º do art. 53 da nova Lei de licitações, devendo a autoridade administrativa do órgão emitir orientação nesse sentido. |
Orientação Normativa – AGU 69/2021 | Não é obrigatória manifestação jurídica nas contratações diretas de pequeno valor com fundamento no art. 75, I ou II, e § 3º da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, salvo se houver celebração de contrato administrativo e este não for padronizado pelo órgão de assessoramento jurídico, ou nas hipóteses em que o administrador tenha suscitado dúvida a respeito da legalidade da dispensa de licitação. Aplica-se o mesmo entendimento às contratações diretas fundadas no art. 74, da Lei nº 14.133, de 2021, desde que seus valores não ultrapassem os limites previstos nos incisos I e II do art. 75, da Lei nº 14.133, de 2021. |
Orientação Normativa – AGU 64/2020 | No âmbito do sistema de registro de preços, as competências do parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666, de 1993; e do art. 11, inciso VI, alínea “a”, da Lei Complementar nº 73, de 1993; relativas à aprovação da minuta de edital e contrato administrativo, são da exclusiva alçada da unidade consultiva que presta assessoramento jurídico ao órgão gerenciador do certame. ii) o órgão participante e o órgão não participante do sistema de registro de preços poderão solicitar manifestação das respectivas consultorias jurídicas que lhes prestam assessoramento acerca da juridicidade do processo de contratação ou adesão, especialmente nos casos em que haja dúvida de ordem jurídica objetivamente exposta. |
Fonte: Elaboração própria com base nas regras legais consultadas.
Quadro 217 – Jurisprudência do TCU
Acórdãos | Dispositivos |
Acórdão 2743/2015 – TCU – Plenário | 9.1. recomendar ao [omissis], com fundamento no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, c/c o art. 250, inciso III, do Regimento Interno do TCU, que avalie a conveniência e a oportunidade de adotar os seguintes procedimentos, com vistas à melhoria do sistema de controle interno da organização: […] 9.1.23. incluir, no seu modelo de processo de aquisições para a contratação de bens e serviços, e a gestão dos contratos decorrentes, os seguintes controles internos na etapa de gestão contratual: […] 9.1.23.4. estabelecer modelos de lista de verificação para atuação da consultoria jurídica na emissão pareceres de que trata o art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, em especial, na aprovação das minutas de instrumentos convocatórios das licitações e de ajustes decorrentes de repactuações, podendo ser adotados os modelos estabelecidos pela Advocacia-Geral da União; |
Acórdão 2622/2015 – TCU – Plenário | 9.2 recomendar à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI/MP) que: 9.2.2. elabore um modelo de processo de aquisições para a Administração Pública, para a contratação de bens e serviços, e a gestão dos contratos decorrentes, considerando as diretrizes constantes dos Acórdãos 786/2006, 1480/2008 e 1.915/2010, todos do Plenário do TCU, adaptando-os à aquisição de objetos de todos os tipos e não apenas aos objetos de tecnologia da informação, em especial: […] 9.2.2.8. inclusão dos controles internos em nível de atividade, podendo ainda avaliar a inclusão dos demais controles sugeridos no documento Riscos e Controles nas Aquisições – RCA, que pode ser acessado em http://www.tcu.gov.br/selog; [RCA] Ausência de padronização dos itens mínimos a verificar 2. Risco: Falta de sistematização sobre o que deve ser verificado na avaliação de legalidade executada pela assessoria jurídica (pareceres elaborados ad hoc), levando a avaliação de itens com baixo risco de ilegalidade e a não avaliação de outros com alto risco de ilegalidade, com consequente ineficiência e repetição de erros (e.g., erros já detectados em outros certames e não examinados) (2). 3. Sugestão de controle interno: OGS padroniza lista de verificação com itens mínimos que a assessoria jurídica deve avaliar a fim de emitir sua aprovação (3). 4. Sugestão de controle interno compensatório: Assessoria jurídica da organização elabora listas de verificação contendo os aspectos mínimos que devem ser avaliados durante sua atuação, podendo valer-se das listas disponibilizadas pela AGU e dos itens deste documento como base (4). [Relatório] 237. A Figura 28 sintetiza a situação da padronização de procedimentos afetos às aquisições, declarada pelas organizações pesquisadas, nas questões F.6 e F.7, e dos seus dados observa-se que: […] 237.3. 43% reconheceram a padronização de listas de verificação para a atuação da consultoria jurídica quando da emissão dos pareceres jurídicos de que trata o art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993; |
Acórdão 521/2013-TCU-Plenário | [Enunciado] As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica, em razão do disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993. Caso o órgão jurídico restitua o processo com exame preliminar, faz-se necessário o seu retorno, após o saneamento das pendências apontadas, para emissão de parecer jurídico conclusivo. |
Acórdão 873/2011 – TCU – Plenário | [Enunciado] Como regra, as minutas dos contratos a serem firmados por instituição pública devem passar pelo exame da área jurídica. Todavia, em caráter excepcional, é possível a utilização de minuta-padrão, previamente aprovada pela assessoria jurídica, quando houver identidade de objeto e não restarem dúvidas acerca da possibilidade de adequação das cláusulas exigidas no contrato pretendido às cláusulas previamente estabelecidas. |
Acórdão 3014/2010-TCU-Plenário | [Enunciado] As minutas de editais de licitação ou contratos devem ser previamente submetidas à aprovação da assessoria jurídica da Administração, admitindo-se, em caráter excepcional, a utilização de minuta-padrão de contrato a ser celebrado pela Administração, previamente aprovada pela assessoria jurídica, quando houver identidade de objeto – e este representar contratação corriqueira – e não restar dúvidas acerca da possibilidade de adequação das cláusulas exigidas no contrato pretendido às cláusulas previamente estabelecidas na minuta-padrão. |
Pesquisa de Jurisprudência | Execute a seguinte consulta na Jurisprudência Selecionada: “assessoramento jurídico” ou “assessoria jurídica” Execute a seguinte consulta na Jurisprudência Selecionada. Selecione a área “responsabilidade”, o tema “licitação”, subtema “parecer jurídico”. |
Fonte: Elaboração própria com base na jurisprudência do TCU.
Quadro 218 – Riscos relacionados
Riscos |
Falta de sistematização sobre o que deve ser verificado na avaliação de legalidade executada pela assessoria jurídica e/ou excesso de processos submetidos à análise da assessoria, levando à avaliação de itens com baixo risco de ilegalidade e à não avaliação de outros com alto risco de ilegalidade, com consequentes ineficiência e repetição de erros (p. ex., não verificação de erros já detectados em outras contratações e certames e não examinados) e insegurança dos agentes que atuam no processo de contratação. |
Falta de identificação dos aspectos a serem verificados pela assessoria jurídica e dos posicionamentos a respeito dos aspectos identificados, levando a avaliações com graus diferentes de abrangência e profundidade, bem como posicionamentos conflitantes sobre os mesmos aspectos, com consequente repetição de erros (p. ex., não verificação de erros já detectados em outras contratações) e conclusões conflitantes a respeito dos mesmos aspectos em processos de contratação distintos. |
Parecer jurídico não conclusivo (sem a explícita aprovação ou rejeição das minutas examinadas), levando à continuidade de licitação com vícios de legalidade, com consequente não contratação (p. ex., por atuação dos órgãos de controle ou do Poder Judiciário) ou futura responsabilização dos pareceristas e agentes envolvidos. |
Fonte: Tribunal de Contas da União, 2014, item “Parecer jurídico”.
Quadro 219 – Modelos
Assunto | Modelo disponibilizados por OGS ou por órgãos de controle | OGS |
Listas de verificação | Listas de verificação que podem ser utilizadas para o controle prévio de legalidade das contratações (Advocacia-Geral da União, 2023) | AGU |
[1] Lei 14.133/2021, art. 53, § 4º.
[2] Lei 14.133/2021, art. 53, § 1º, inciso II.
[3] Lei 14.133/2021, art. 53, § 1º, inciso I.
[4] Lei 14.133/2021, art. 53, § 5º.
[5] Lei 14.133/2021, art. 6º, inciso X.
[6] A exemplo do Acórdão 2622/2015 – TCU – Plenário, item 9.2.2.8, que recomendou que os controles sugeridos no documento Riscos e Controles nas Aquisições – RCA, dentre os quais a utilização de checklists pelas consultorias jurídicas, fossem incluídos no modelo de processo de aquisições para a toda a Administração Pública federal.
[7] Lei 14.133/2021, art. 8º, § 3º, art. 117, § 3º, art. 168, parágrafo único, art. 169, inciso II.