3.4.2. Maior desconto
O julgamento por maior desconto utiliza um preço de referência, que é obrigatoriamente divulgado no edital de licitação[1]. Esse preço é obtido por meio de tabela de preços praticada no mercado ou por um orçamento previamente elaborado pela Administração[2].
O vencedor do certame será o licitante que oferecer o maior desconto percentual sobre esse valor. Esse desconto será mantido durante a vigência do contrato e incidirá sobre novos itens que venham a ser incluídos por meio de termos aditivos[3].
O preço de referência para as propostas será o preço global estimado ou o máximo aceitável[4] fixado no edital de licitação, o qual é calculado pela soma dos valores resultantes da multiplicação dos preços unitários pelos seus quantitativos estimados.
Cabe esclarecer que o preço estimado é o “valor obtido a partir de método matemático aplicado em série de preços coletados”[5], ou a partir de tabela de preços adotada pelo segmento de mercado que fornecerá o objeto da licitação. Conforme depreende-se do art. 59, inciso III, da Lei 14.133/2021, o orçamento estimado é o máximo aceitável pela Administração.
Quando se utiliza uma tabela de preços praticada no mercado[6], é recomendável, sempre que possível, adotar as tabelas fixadas por um órgão oficial. Isso evita que as tabelas estejam sujeitas a alterações por influência direta de fornecedores.
Assim como no julgamento por menor preço, o maior desconto pode ser utilizado nas concorrências e nos pregões, inclusive para registros de preços, e na fase competitiva da modalidade diálogo competitivo. No entanto, é importante notar que é vedado utilizar isoladamente o modo de disputa fechado[7].
Esse critério de julgamento já havia sido previsto na Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC)[8] e replicado na Lei das Estatais[9]. Nas licitações realizadas com base na Lei 8.666/1993, mesmo que o julgamento pelo maior desconto não estivesse previsto no texto legal, o critério era utilizado em três diferentes hipóteses.
A primeira delas é aplicável para situações em que o preço do produto ou do serviço é extremamente volátil e sujeito a reajustes esporádicos, fatores econômicos ou sazonais ou outros efeitos de mercado, tornando impossível uma contratação com preço pré-definido entre as partes por um certo período.
É o caso das compras de combustíveis, cujo preço costuma sofrer vários reajustes anuais, bem como variações em função da localidade em que o veículo é abastecido. É possível que a organização contratante defina previamente a quantidade a ser consumida anualmente, ainda que com alguma imprecisão, mas o preço a ser acordado só pode ser estabelecido em função do que é atualmente praticado na localidade.
Em um contrato por tempo determinado, qualquer variação ou reajuste de preço ocorrida durante a vigência do ajuste poderia tornar a execução do contrato inviável para uma das partes e o enriquecimento sem causa da outra. Assim, a prática corrente no âmbito da Administração Pública é a contratação com base no maior desconto sobre a tabela da ANP – Agência Nacional do Petróleo. Qualquer reajuste dos combustíveis é quase que imediatamente reproduzido nos preços divulgados pela ANP e, assim, assegura-se a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da avença.
Outra hipótese em que o maior desconto é utilizado são os casos em que as quantidades, itens ou serviços demandados são incertos ou difíceis de serem estabelecidos. Nesse caso, os preços de mercado são conhecidos, mas as quantidades demandadas não. Isso é diferente da primeira forma de utilização da licitação, em que havia certa previsão dos quantitativos demandados, mas os preços eram voláteis. Os serviços de manutenção predial ou de veículos são exemplos recorrentes dessa segunda forma de utilização do maior desconto.
Na terceira hipótese de utilização do maior desconto, tanto as quantidades demandadas quanto os preços estimados são previamente conhecidos e estabelecidos no edital. Seu uso é geralmente aplicado nas licitações de obras em que há julgamento pelo maior desconto. Isso corresponde ao uso do fator “κ” ou “kappa”, que representa um percentual de desconto linear aplicado sobre todos os serviços do orçamento base da licitação e sobre os novos serviços eventualmente incluídos por aditivo. O vencedor será o licitante que ofertar o maior desconto linear sobre a planilha do orçamento base da licitação. Não há liberdade para a licitante cotar descontos diferenciados para os preços unitários dos diversos serviços da planilha contratual.
A principal vantagem do critério de julgamento pelo maior desconto é que ele evita o “jogo de planilha”[10] e o “jogo de cronograma”[11]. Além disso, proporciona celeridade ao processamento da licitação, pois torna mais simples as análises de exequibilidade e economicidade das propostas.
Quadro 58 – Referências normativas para o critério de maior desconto
Normativos | Dispositivos |
Lei 14.133/2021 | Art. 33. O julgamento das propostas será realizado de acordo com os seguintes critérios: […] II – maior desconto; […] Art. 34. O julgamento por menor preço ou maior desconto e, quando couber, por técnica e preço considerará o menor dispêndio para a Administração, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no edital de licitação. § 1º Os custos indiretos, relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado, entre outros fatores vinculados ao seu ciclo de vida, poderão ser considerados para a definição do menor dispêndio, sempre que objetivamente mensuráveis, conforme disposto em regulamento. § 2º O julgamento por maior desconto terá como referência o preço global fixado no edital de licitação, e o desconto será estendido aos eventuais termos aditivos. […] Art. 55. Os prazos mínimos para apresentação de propostas e lances, contados a partir da data de divulgação do edital de licitação, são de: […] I – para aquisição de bens: a) 8 (oito) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto; […] II – no caso de serviços e obras: a) 10 (dez) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto, no caso de serviços comuns e de obras e serviços comuns de engenharia; […] Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: […] V – o critério de julgamento da licitação, que será o de menor preço ou o de maior desconto sobre tabela de preços praticada no mercado; |
IN – Seges/ME 73/2022 | Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre a licitação pelo critério de julgamento por menor preço ou maior desconto, na forma eletrônica, para a contratação de bens, serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional. […] |
Fonte: Elaboração própria com base nas normas consultadas.
Quadro 59 – Jurisprudência do TCU
Acórdãos | Dispositivos |
Acórdão 1633/2020-TCU-Plenário | [Enunciado] O edital pode estabelecer, como critério de julgamento, percentual mínimo de desconto em itens licitados, o que significa, por via indireta, a fixação de preço máximo […] |
Acórdão 1708/2019-TCU-Plenário | [Voto] Ademais, o julgamento pelo maior desconto vai ao encontro do princípio da eficiência, por racionalizar as análises de exequibilidade e economicidade das propostas ofertadas pelos licitantes, bem como por simplificar a análise da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato por ocasião de eventuais alterações qualitativas ou quantitativas do objeto licitado. Por fim, há mitigação do risco de ocorrência de práticas irregulares, tais como o jogo de cronograma ou jogo de planilha, nas licitações em que se aplica o desconto uniforme sobre a planilha do orçamento-base da Administração. Como se trata de situações observadas com certa frequência nos contratos para implantação de obras públicas, entendo que, como regra geral, seria desejável que essa forma de modelagem da contratação fosse aplicada sempre que possível. |
Acórdão 1.238/2016-TCU-Plenário | [Voto] 29. Mesmo que considere como adequada a contratação de materiais, com base em uma estimativa de preços e quantidades, nos termos realizados pela administração deste Tribunal, compreendo a pertinência e a eficiência da realização de procedimento licitatório, cuja adjudicação observaria o maior desconto sobre o valor dos materiais registrados na tabela Sinapi. Ressalto, por oportuno, que a Lei 12.462/2011, que aprovou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, prevê expressamente a possibilidade de contratação com base no maior desconto. Embora não se aplique ao certame em tela, a evolução legislativa já demonstra a necessidade de uma maior racionalidade na busca da eficiência. 30. Em primeiro lugar, o procedimento propicia a obtenção do melhor preço […] e evita o jogo de planilha, em que o licitante oferta maiores preços para itens com probabilidade de maior utilização. […] Em quarto lugar, o procedimento atende aos princípios da eficiência e da licitação previstos no art. 37, caput, e seu inciso XXII, da Constituição Federal, e da competitividade […]. 31. Há que ser considerada, ainda, a eficiência na gestão dos contratos, no que se refere à execução dos serviços, às repactuações, às prorrogações, bem como na elaboração da estimativa de preços da licitação. |
Acórdão 3016/2015-TCU-Plenário | 9.5.3. em licitações que objetivem o maior desconto, a fim de viabilizar a utilização do Pregão Eletrônico, pode ser utilizado mecanismo que transforme o critério de julgamento da licitação em menor valor da proposta em relação ao orçamento da contratação, transformando, posteriormente, essa proposta em percentual em relação ao orçamento; |
Acórdão 1712/2015-TCU-Plenário | [Voto] 30. Ainda na vigência do Decreto nº 3.931/2001, o Tribunal admitiu em precedentes isolados a contratação de eventos mediante a utilização de desconto linear na planilha de preços da Administração, conforme se depreende do seguinte trecho do voto condutor do Acórdão 2907/2012-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro José Múcio Monteiro: “10. De fato, o requisito do desconto linear, que seja igual para todo e qualquer item da planilha, peca por compelir os licitantes a comporem seus preços artificialmente, sem que haja correspondência com a indicação do mercado. Dificulta, por conseguinte, a elaboração das propostas, pois as empresas terão que encontrar um desconto médio, que equilibre os itens a serem vendidos abaixo e acima do preço real, ou simplesmente irão fixar o menor desconto entre todos os itens como o máximo a se oferecer. 11. De qualquer forma, tendo por premissa que o orçamento-base da licitação é adequado, a contratação pelo maior desconto linear será sempre um bom negócio para o contratante, ainda que talvez possa não ser o melhor. Além do mais, anula a possibilidade do jogo de planilha, em sua operação tradicional, já que obriga que os itens contratuais, sejam eles com pouco ou muita perspectiva de execução, tenham todos o mesmo desconto, isto é, até os itens com grande demanda terão que ser comercializados a preço mais baixo que o orçado. 12. Também não se pode afirmar que o desconto linear é um modelo que agride frontalmente alguma norma legal. […]” |
Acórdão 180/2015-TCU-Plenário | [Enunciado] Nas contratações para aquisição de livros didáticos ou para bibliotecas, é permitido o uso do modelo de “aquisição por área do conhecimento”, em que o objeto não é dividido em itens, mas sim parcelado em grupos temáticos sem a indicação prévia dos livros a serem adquiridos, os quais serão demandados posteriormente. Para tanto, a licitação será do tipo “maior desconto”, que deverá incidir sobre o preço dos livros listados nos catálogos oficiais das respectivas editoras. |
Acórdão 2907/2012-TCU-Plenário | [Voto] 10. De fato, o requisito do desconto linear, que seja igual para todo e qualquer item da planilha, peca por compelir os licitantes a comporem seus preços artificialmente, sem que haja correspondência com a indicação do mercado. Dificulta, por conseguinte, a elaboração das propostas, pois as empresas terão que encontrar um desconto médio, que equilibre os itens a serem vendidos abaixo e acima do preço real, ou simplesmente irão fixar o menor desconto entre todos os itens como o máximo a se oferecer. 11. De qualquer forma, tendo por premissa que o orçamento-base da licitação é adequado, a contratação pelo maior desconto linear será sempre um bom negócio para o contratante, ainda que talvez possa não ser o melhor. Além do mais, anula a possibilidade do jogo de planilha, em sua operação tradicional, já que obriga que os itens contratuais, sejam eles com pouco ou muita perspectiva de execução, tenham todos o mesmo desconto, isto é, até os itens com grande demanda terão que ser comercializados a preço mais baixo que o orçado. 14. Nesta medida, não obstante contrário ao uso do desconto linear indiscriminadamente, mantenho-me longe de tachar de reprovável a decisão do [omissis] que o elegeu para aferição da aceitabilidade dos preços, ainda mais por me parecer ter havido, efetivamente, a boa intenção de evitar a contratação de uma planilha traiçoeira. [Acórdão] 9.2. determinar ao [omissis] que, nas próximas licitações que promover: 9.2.1. não use o desconto linear como critério de aceitabilidade de preços nem de julgamento, salvo quando o objeto abranger itens homogêneos e sujeitos a controle de preços, tais como os exemplificados no art. 9º, § 1º, do Decreto nº 3.931/2001; |
Acórdão 3344/2010-TCU-Primeira Câmara | [Enunciado] É considerado válido o critério de julgamento do maior desconto oferecido pelas agências de viagens nas licitações destinadas ao fornecimento de passagens aéreas. |
Acórdão 1700/2007-TCU-Plenário | [Voto] 10. Ao examinar, naquele momento em linhas gerais, o protesto da representante, entendi que havia plausibilidade bastante, afora urgência, para atender ao seu pedido de suspender cautelarmente a licitação, para aprofundamento da matéria. Na oportunidade, meu despacho foi deste teor: […] 15. Com o novo sistema do desconto linear, contudo, a empresa ficaria privada de manter os grandes abatimentos facultados pela sua particular condição, pois haveria de estendê-los a todos os demais itens que compõem a planilha. 16. Obviamente que ninguém suportaria trabalhar tão-somente com preços muito abaixo do mercado. Como resultado, a empresa terá que fixar para toda a planilha o menor percentual de desconto que tiver, ainda que, de início, fosse aplicável a um só item. Esse menor desconto passará a comandar todos os outros e funcionará como limitador da possibilidade de abatimentos. 17. Observo que a instituição de um desconto médio, conforme cogitado pela [omissis], não resolve a dificuldade. Ao contrário, cria um artifício pior, na medida em que obrigará, para todos os itens, abatimentos incondizentes com a realidade do mercado ou com a operacionalidade do licitante. Como, no decorrer do registro de preços, os itens evidentemente não serão contratados em quantidades iguais, sempre haverá desvirtuação de valores, já que o desconto médio não retrata os custos individuais. […] 16. Afinal, o critério não é de todo desconhecido da legislação. O próprio Decreto nº 3.931/2001, que regulamenta o registro de preços, autoriza sua aplicação, mas tão-somente quando o desconto recair “sobre tabela de preços praticados no mercado, nos casos de peças de veículos, medicamentos, passagens aéreas, manutenções e outros similares” (art. 9º, § 1º). 17. É óbvia a razão: a licitação, nessas condições, abrange só um tipo de produto, cujo custo mais lucro consta referenciado em tabela de preços. Assim, é factível ao licitante diminuir sua margem de lucro e distribuir a conta financeira desse abatimento uniformemente por todo o quantitativo licitado. O valor da venda será verdadeiramente o preço do produto, mesmo do ponto de vista unitário. Aliás, havia ressaltado essa particularidade no despacho concessivo da providência cautelar. 18. Se a licitação comporta produtos variados, como a do Pregão nº 111/2006 em tela, a situação é bem diferente. O licitante será obrigado a encontrar um desconto imaginário, que, empregado ao conjunto de contratos celebrados ao longo do prazo de duração do registro de preços, ao final resultará satisfatório a ambas as partes contratantes. 19. Ou seja, para que a empresa tenha chance de vencer a licitação, deverá necessariamente propor preços abaixo do mercado para a totalidade dos itens previstos, o que não tem ares de algo lógico, nem justo, nem de fácil obtenção numa relação comercial, além de ser, na minha opinião, incompatível com os propósitos legítimos das Leis nºs 8.666/93 e 10.520/2002. […] |
Pesquisa de Jurisprudência | Realize “pesquisa por árvore de classificação” na Jurisprudência Selecionada do TCU. Selecione área “Licitação”, tema “julgamento”, subtema “critério”, Pesquise pelo termo “maior desconto”. Execute consulta nas Publicações do TCU. Selecione o tipo de publicação “Informativo de Licitações e Contratos” e/ou “Boletim de Jurisprudência”. Pesquise pelo termo: “maior desconto”. |
Fonte: Elaboração própria com base na jurisprudência do TCU.
[1] Lei 14.133/2021, art. 24, parágrafo único c/c art. 34, § 2º, e IN – Seges/ME 73/2022, art. 12 § 3º.
[2] Lei 14.133/2021, art. 82, inciso V.
[3] Lei 14.133/2021, art. 34, § 2º.
[4] Lei 14.133/2021, art. 24, parágrafo único, art. 34, § 2º, IN – Seges/ME 73/2022, art. 9º § 2º.
[5] IN – Seges/ME 65/2021, art. 2º, inciso I.
[6] Lei 14.133/2021, art. 82, inciso V; IN – Seges/ME 73/2022, art. 9º, § 2º.
[7] Lei 14.133/2021, art. 6º, inciso XXXVIII, alínea “e”, inciso XLI, art. 56, § 1º, art. 82, alínea “d”, inciso V; e IN – Seges/ME 73/2022, art. 4º, incisos I a III.
[8] Lei 12.462/2011, art. 18, inciso I.
[9] Lei 13.303/2016, art. 54, inciso II.
[10] Licitante indica preços abaixo dos de mercado para itens que estão superestimados na planilha orçamentária (que ele sabe que não serão muito utilizados na execução do contrato); e cota com sobrepreço os itens que estão subestimados, a fim de ganhar a licitação pelo aspecto global, mas, na execução dos serviços, faz prevalecer os itens mais dispendiosos, majorando o seu lucro por meio dos aditivos contratuais.
[11] Ocorre quando os serviços com maior sobrepreço unitário ou menor desconto estão concentrados no início da obra, e, por consequência, diminui as chances de a contratada abandonar a obra depois da execução desses serviços, nos quais se concentram as maiores vantagens pecuniárias para a executante (Relatório do Acórdão 3337/2012-TCU-Plenário, parágrafo 17).