3.1.4. O que licitar?
A Lei 14.133/2021 aplica-se a:
Art. 2º […]
I – alienação e concessão de direito real de uso de bens;
II – compra, inclusive por encomenda;
III – locação;
IV – concessão e permissão de uso de bens públicos;
V – prestação de serviços, inclusive os técnico-profissionais especializados;
VI – obras e serviços de arquitetura e engenharia;
VII – contratações de tecnologia da informação e de comunicação.
A alienação de bens móveis e imóveis está disciplinada no art. 76 da Lei 14.133/2021, dispositivo que prevê a prévia avaliação dos bens e a justificativa que evidencie o interesse público envolvido na alienação.
Os bens imóveis só poderão ser alienados mediante prévia autorização legislativa, com exceção daqueles adquiridos pela Administração Pública em virtude de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento[1]. A alienação deverá ocorrer por licitação na modalidade leilão[2], podendo ser dispensada nos casos de dação em pagamento (pagamento de dívida), doação ou venda a outra organização pública[3], permuta, investidura[4], legitimação de posse[5] ou fundiária[6].
Os bens móveis também poderão ser leiloados, podendo-se dispensar a licitação nas hipóteses de doação (fins de interesse social), permuta entre organizações públicas, venda de ações em bolsas de valores e de títulos públicos, venda de bens produzidos ou comercializados por entidades da Administração Pública, venda de materiais e equipamentos para outras organizações públicas (que não serão utilizados por quem deles dispõe)[7].
As diretrizes para realização de compras, obras e serviços de engenharia, e serviços em geral estão dispostas na seção IV (arts. 40 a 50) da Lei 14.133/2021. Os conceitos estão apresentados na Lei citada:
Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se: […]
X – compra: aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente, considerada imediata aquela com prazo de entrega de até 30 (trinta) dias da ordem de fornecimento;
XI – serviço: atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse da Administração;
XII – obra: toda atividade estabelecida, por força de lei, como privativa das profissões de arquiteto e engenheiro que implica intervenção no meio ambiente por meio de um conjunto harmônico de ações que, agregadas, formam um todo que inova o espaço físico da natureza ou acarreta alteração substancial das características originais de bem imóvel; […]
XVIII – serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual: aqueles realizados em trabalhos relativos a:
a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos e projetos executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias e consultorias técnicas e auditorias financeiras e tributárias;
d) fiscalização, supervisão e gerenciamento de obras e serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais e administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem na definição deste inciso; […]
XXI – serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo, são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que compreendem: […]
A locação também está disciplinada na Lei 14.133/2021, destacando-se o dispositivo que obriga a avaliação prévia e a licitação para locação de bens imóveis (art. 51), e o que dispõe sobre a inexigibilidade de licitação para alugar imóvel “cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha” (art. 74, inciso V). Sobre o assunto, há jurisprudência do TCU que alerta para o risco de direcionamento da contratação quando há excessivo detalhamento das características do imóvel que se pretende adquirir ou alugar, sem a demonstração da necessidade dessas particularidades[8].
Quanto à permissão e à concessão de uso de bem público, a permissão é ato administrativo unilateral, de natureza precária, pelo qual um particular é autorizado a fazer uso do bem, para atender ao interesse coletivo. A concessão é um contrato administrativo, pelo qual a Administração atribui a particular a utilização privativa de bem público, para que o explore por prazo determinado. Ambas serão precedidas de licitação.
O art. 3º da Lei 14.133/2021 dispõe sobre as situações que não estão sujeitas ao regime desta Lei :
I – os contratos que tenham por objeto operação de crédito, interno ou externo, e gestão de dívida pública, incluídas as contratações de agente financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos;
II – contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria.
Como exemplos de contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria, pode-se citar:
- contratações de serviços de publicidade. Essas são regidas pela Lei 12.232/2010, que estabelece normas gerais para licitação e contratação de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda;
- concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos previstas no art. 175 da Constituição Federal de 1988, as quais são regidas pela Lei 8.987/1995;
- parcerias público-privada no âmbito da administração pública, as quais se submetem à Lei 11.079/2004;
- contratações de produtos e sistemas de defesa, ou do seu desenvolvimento, que frequentemente exigem sigilo, tecnologia avançada e considerações estratégicas que não se alinham com os processos de licitação tradicionais. Essas contratações são regidas pela Lei 12.598/2012, regulamentada pelo Decreto 7.970/2013;
- contratações relacionadas à exploração direta de atividade econômica pelo Estado, conforme estabelecido pelo artigo 173, § 1º, da Constituição Federal de 1988. Tais contratações são reguladas pelas normas de direito privado. Nessa hipótese, as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias são dispensadas do dever de licitar, conforme art. 28, § 3º, da Lei 13.303/2016. Essa isenção legal proporciona uma maior flexibilidade na gestão das atividades econômicas estatais, visando alcançar competitividade e eficiência comparáveis ao setor privado. É importante ressaltar, conforme o caput do artigo 28 da mesma lei, que as demais contratações dessas entidades devem, porém, ser precedidas de licitação;
- contratações de startups para teste de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a ser desenvolvidas, com ou sem risco tecnológico, como dispõe a Lei Complementar 182/2021, art. 12, § 1º e art. 13. Embora a Lei 14.133/2021 expressamente autorize a realização de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) exclusivo para startups[9], e tenha incorporado a modalidade de licitação diálogo competitivo, a contratação da startup poderá ocorrer por meio de licitação na modalidade especial regida pela LC 182/2021. Após o processo licitatório, os vencedores assinam o Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), que viabiliza a execução de testes remunerados em ambiente real. Se a solução inovadora proposta for bem-sucedida, a Administração poderá celebrar com a mesma contratada, sem nova licitação, contrato para o fornecimento do produto, do processo ou da solução resultante do CPSI, de acordo com os arts. 14 e 15 da referida lei complementar; e
- contratações realizadas por organizações do terceiro setor, tais como Oscips, organizações sociais e serviços sociais autônomos. Estas não estão estritamente vinculadas à Lei 14.133/2021, devendo seguir seus próprios regulamentos, os quais precisam estar devidamente publicados e devem se pautar pelos princípios gerais da Administração Pública (vide item 3.1.3).
Conforme previsto no art. 186 da Lei 14.133/2021, as normas gerais de licitações e contratos administrativos se aplicam apenas de forma subsidiária às Leis 8.987/1995 (concessões e permissões), 11.079/2004 (parcerias público-privada), e 12.232/2010 (serviços de publicidade).
[1] Lei 14.133/2021, art. 76, § 1º.
[2] Lei 14.133/2021, art. 76, inciso I.
[3] A doação também poderá ocorrer para particulares, nas hipóteses das alíneas “f”, “g” e “h” do inciso I do art. 76 da Lei 14.133/2021.
[4] Conceito apresentado no art. 76, § 5º, da Lei 14.133/2021.
[5] Nos termos da Lei 13.465/2017, art. 11, inciso VI, ou da Lei 6.383/1976, art. 29.
[6] Mecanismo de reconhecimento da aquisição originária do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária objeto da Reurb – Regularização Fundiária Urbana (Lei 13.465/2017, art. 11, inciso VII).
[7] Lei 14.133/2021, art. 76, inciso II.
[8] Enunciado de jurisprudência do Acórdão 1656/2015-TCU-Plenário.
[9] Lei 14.133/2021, art. 81, § 4º, vide item 5.9.3 deste manual.